Aproximando as pessoas de questões sustentáveis através do design de experiência do usuário

Um projeto sobre moda sustentável, conscientização e o processo de design de experiência do usuário

Samille Soares
12 min readMay 29, 2021
Plataforma Modific desenvolvida pela equipe Xerê.

Tudo começou há um tempo atrás…

Em fevereiro de 2021 iniciamos o curso de UX e UI Design da Cubos Academy e não sabíamos ainda qual desafio nos esperava. Unidas pelo interesse em trabalhar com questões relacionadas à sustentabilidade, criamos a equipe Xerê, composta por Amanda Marques, Fernanda Nogueira, Jacilene Moraes, Samili Tupinambá e Samille Soares.

Desafio

Durante os 4 meses do curso nosso desafio foi investigar, analisar, idear e propor uma solução para ajudar as pessoas através da abordagem do design de experiência do usuário, do processo do duplo diamante e de diversas ferramentas. Optamos pelo recorte em “consumo consciente, práticas de compra e o consumidor” e iniciamos nossa jornada para entender as necessidades e dores dos consumidores, além de propor uma solução para a seguinte questão:

Como ajudar os consumidores a se aproximarem de práticas de compra mais conscientes?

Cenário

Nosso primeiro passo foi analisar o contexto atual através de uma pesquisa documental. A desk research inicial nos ajudou a direcionar o projeto, recortar o problema, visto que o consumo consciente engloba inúmeras questões, e levantar certezas para a matriz CSD. Destacamos alguns dos pontos encontrados no processo:

  • a economia circular pode ser uma aliada do consumo consciente e a moda é uma grande área de pesquisa e engajamento nesse tema;
  • a indústria da moda é a 2º mais poluente do mundo e o setor têxtil é o 2º que mais expõe pessoas a condições de trabalho escravo;
  • Apesar do cenário devastador, existem iniciativas que cobram de empresas de moda posicionamentos mais sustentáveis;
  • o consumidor atual está menos influenciado pelas grandes marcas e pressionam posicionamento e responsabilidade das marcas.
  • slow fashion é um movimento de moda sustentável e existem muitas marcas brasileiras nesse seguimento.

A partir dessa atividade inicial, conseguimos segmentar nossa proposta para a solução da seguinte questão:

Como ajudar os consumidores a fazerem escolhas mais sustentáveis com relação à moda?

Discover: entendendo o problema e mapeando os próximos passos

A partir do problema geral inicial mais recortado, levantamos objetivos para as pesquisas de imersão e hipóteses a serem validadas ou não. A imersão iria tocar nos seguintes pontos com relação aos consumidores:

  • Compreender o entendimento sobre compra consciente;
  • Analisar os hábitos de consumo de moda em geral;
  • Identificar as barreiras que impedem os hábitos de compra mais conscientes.

Matriz CSD

Na matriz CSD procuramos organizar visualmente alguns apontamentos da nossa primeira investigação, as suposições e dúvidas que ainda existiam. Algumas das nossas suposições e dúvidas foram:

  • As pessoas não levam em consideração questões ambientais na hora da compra;
  • A maior parte das pessoas não pesquisa antes de comprar;
  • Como o consumidor busca informações sobre a procedência dos materiais e a idoneidade da empresa que ele está consumindo?
  • Conceitos como ‘cradle to cradle’ e ‘slow fashion’ ainda não são de conhecimento de grande parte da população.
Matriz CSD

Mapa Relacional

O mapa relacional foi outra ferramenta utilizada para orientar o plano de pesquisa de campo. Com base no levantamento de hipóteses foram selecionadas as ferramentas mais adequadas para a coleta.

Mapa Relacional

Pesquisa quantitativa

Utilizamos o questionário como ferramenta de coleta da pesquisa quantitativa. Elaboramos um roteiro com 18 perguntas, que foram disponibilizadas na plataforma Google Forms, alcançando 161 respostas. Algumas das hipóteses e dúvidas que procuramos validar com a ferramenta:

  • Idade, gênero, região e renda;
  • Qual é a frequência de compras das pessoas?
  • Conceitos como ‘cradle to cradle’ e ‘slow fashion’ ainda não são de conhecimento de grande parte da população.
  • Consumidores em geral não tem o hábito de ler etiquetas.

Pesquisa qualitativa

Utilizamos a entrevista semiestruturada como ferramenta de coleta da pesquisa qualitativa. Elaboramos um roteiro guia com 13 perguntas e conseguimos entrevistar 5 pessoas. Com a pandemia do Covid-19 e o distanciamento social, todas as entrevistas foram realizadas remotamente através da plataforma Meet. Algumas das hipóteses e dúvidas que procuramos validar com a ferramenta:

  • Consumidores compram mais do que precisam;
  • Comprar em brechós e bazares ainda não é uma prática aceita por muitas pessoas;
  • Pessoas que praticam o autoconhecimento tomam decisões mais assertivas na hora de comprar roupas novas.

Resultados

Alguns resultados que encontramos durante a pesquisa e campo e que ajudaram a direcionar nosso projeto foram:

  • 61,5% dos entrevistados nunca ouviram falar em slow fashion, cradle to cradle e/ou upcycling (conceitos ligados a moda sustentável).

Se não cair no nosso colo não aparecer na televisão não for amplamente divulgado a gente não vai atrás. A vida é muito corrida. Marluce, 51 anos, professora universitária

“…a partir do momento que eu comecei a conhecer mais essa questão da moda consciente aí que mudou quase que oitenta por cento do meu consumo.” Sara, 23 anos, publicitária e estudante.

  • 152 dos entrevistados afirmaram doar as roupas quando estas ainda estão em bom estado.

“[sobre roupas para doação] Lá em Portugal tinha um local de tinha um local de coleta, quando eu morei lá e… por exemplo aqui no prédio tem as cestinhas dos recicláveis, eu boto no local de reciclável…” Marluce, 51 anos, professora universitária

  • 31,4 % dos entrevistados não acham importante saber o processo de fabricação da roupa no momento da compra, mas se a informação estiver fácil acabo lendo, e
  • 27,3% acham importante, mas não sabem onde encontrar a informação.

“Mas a roupa, dependendo do que ela é feita, sei lá, poliéster, alguma coisa assim, de plástico, eu sei que vai agredir mas eu não tenho tanto na minha cabeça essa ideia de que vai agredir tanto a natureza então talvez por isso eu não pesquise.” Kaio, 23 anos, designer

Define: analisando os dados e chegando ao problema de fato

O momento mais desafiador do processo foi, de fato, analisar todos os dados coletados através do questionário, das entrevistas e da desk research. Com a ajuda de várias ferramentas conseguimos sistematizar e sintetizar as informações, encontrando pontos de conexão até a definição de fato do problema.

Dados quantitativos e a validação de algumas hipóteses e dúvidas — Miro

Diagrama de Afinidades

O diagrama nos ajudou a fazer uma análise temática das entrevistas e categorizar os recortes de fala em temas e subtemas. Dessa forma, pudemos agrupar os padrões nos comportamentos, conhecimento, dores e desejos dos entrevistados. Com essa ferramenta conseguimos destacar alguns pontos:

  • Os consumidores usam como critério de compra o preço, o conforto e a durabilidade e não se importam de pagar um pouco mais, desde que a peça dure mais;
  • Deixam de comprar e até de seguir as marcas, quando sabem que ela prejudica seus funcionários, cidade e meio ambiente;
  • Quererem melhorar os hábitos que reconhecem como prejudiciais;
  • A maior barreira é a dificuldade em encontrar informação centralizada e de forma prática.
Diagrama de Afinidades (parte 1) — Miro

Matriz Fatos, Padrões, Comportamentos, Insights

A matriz nos ajudou muito a organizar os dados e conectá-los para explorar insights das possiblidades de soluções.

Matriz Fatos, Padrões, comportamentos, Insights — Miro

Mapa de Empatia

O mapa foi essencial para nos aproximarmos ainda mais dos usuários. Com ele conseguimos destacar as dores e as necessidades dos nossos usuários e explorar estratégias para o desenvolvimento da solução.

Personas

A partir da síntese e revisão das ferramentas anteriores, construímos três personas que reúnem os comportamentos, dores e necessidades encontrados em campo.

Persona 1: Tereza, a interessada.
Persona 2: Eduardo, o econômico
Persona 3: Manuela, a seguidora

Insights

Ao final da etapa de definição, conseguimos compreender que a informação e a transparência eram pontos chave do nosso problema e da nossa solução. Assim, conseguimos destacar os seguintes insights:

  • Os consumidores não costumam buscar informações por falta de praticidade e facilidade na busca.
  • Mesmo os consumidores que não acham importante saber como as roupas foram fabricadas, consumiriam a informação caso esta estivesse disponível.
  • Os consumidores possuem um autoconhecimento quanto a utilidade de suas roupas quando estão acumulando ou comprando sem necessidade o que pode fortalecer um ponto de ligação com a doação;
  • Muitas pessoas querem doar roupas, mas não sabem exatamente para onde doar. Não conhecem plataformas que recebam as doações.
  • Os consumidores podem assumir outras posturas no momento da compra se tiverem mais acesso à informação;

Os consumidores reconhecem a importância de escolhas mais conscientes com relação a moda e a informação como ferramenta de transformação, mas não costumam realizar a busca por falta de praticidade e facilidade na ação.

Develop: explorando possibilidades

Para encontrar o nosso produto, utilizamos o canvas da proposta de valor. Através dos insights e as validações, entre outras ferramentas, completamos as lacunas do perfil do cliente e o valor agregado e extraímos a melhor proposta que atingisse a maior parte das necessidades dos usuários.

Canvas de Valor de Proposta — Miro

Partimos de um dos principais quesitos da proposta que é a questão da centralização de empresas engajadas realmente no consumo consciente e com preocupação em informar isso para o consumidor. Pensando nisso, chegamos à conclusão que precisávamos de uma ponte, entre usuário e empresa, para a compra de moda consciente, foi aí que concluímos em um marketplace.

Sitemap

Nossa ideia era criar uma vitrine consciente, centralizar marcas responsáveis e exibir informações verídicas de forma prática para o consumidor. Fizemos outro brainstorm pra reunir possíveis funcionalidades devido à complexidade do conteúdo.

Pensamos em diversas ferramentas, compilamos o que era emergencial para esse primeiro momento e chegamos em nosso MVP:

  • Sistema de compra online que, além de reunir as lojas, apresentada aos usuários as pequenas e médias empresas de moda sustentável brasileiras;
  • Ranking de lojas baseado na pontuação gerada no cadastro inicial da loja pelo questionario de transparência nos processos de produção da peças e conscientização do ciclo das roupas;
  • Sistema de troca de moedas para o usuário para incentivamos o uso da plataforma de forma consciente e garantimos o retorno e indicação para outros usuários;
  • Mapa de doações: Será uma área exclusiva pra listar instituições. Utilizaremos um mapa interativo pra facilitar a localização e encontrar locais perto do usuário ou de outras regiões;
  • Blog com notícias, tutoriais, dicas, entre outras informações relevantes do meio.

Com base nessa estrutura, montamos o sitemap. Esse é o nosso modelo inicial, conforme fomos pensando nas aplicações, ele foi se transformando:

Recorte Sitemap (modelo inicial) — Miro
Sitemap (modelo inicial) — Miro

Benchmarking

Em meio a construção do sitemap, realizamos o benchmarking para capturar referências de e-commerce e estudar os fluxos e estilos já implementados, selecionando os melhor se adaptam ao nosso objetivo.

Detalhe do Benchmarking Telas Iniciais — Miro

Fizemos também a dinâmica do Dot Voting pra destacar elementos positivos e negativos de marcas similares ao nosso tema, e assim, montar os wireframes.

Dinâmica de Dot Voting (parte 1) — Miro

Além disso, construímos um moodboard para ajudar na inspiração das cores, estética e construção da marca.

Moodboard de inspiração para o protótipo — Miro

Wireframes

Criamos a página inicial, destacando as funcionalidades do site e apresentando o nosso propósito. Nas telas da loja, criamos a área principal com os rankings das marcas, a página da marca com a descrição da produção e materiais que ela utiliza, além de comentários dos usuário. Seguindo o fluxo de compra do produto selecionado, introduzimos o carrinho e finalização do pagamento. Criamos também a página do mapa de doação e o blog.

Detalhe do protótipo de baixa fidelidade (Parte 1) — Miro
Detalhe do protótipo de baixa fidelidade (parte 2) — Miro

Desenvolvendo a marca

Ao fim da etapa de ideação, conseguimos definir a estrutura funcional do produto, assim como a estrutura visual. Através das dinâmicas de criatividade propostas pelo grupo, escolhemos o nome do nosso produto: Modific.

Pensamos em palavras-chaves e expressões como:

Mudança, Moda, Modificar, Hábitos

Sintetizamos em Modifica pra evidenciar a questão de mudança no poder de consumir, mas a palavra ainda não tinha personalidade, pesquisamos em outras linguagens e encontramos a palavra Modific em romeno, que significa mudança.

Optamos por trabalhar o logo tipográfico, porque queríamos algo mais impactante, no entanto neutro também, já que estaria imerso em um portal com outras marcas.

Utilizamos como slogan principal o jogo de palavras “vitrine transparente” fazendo referência a nossa credibilidade na veiculação de informações reais, pois existe muitas marcas que se dizem conscientes, mas na realidade não são.

Style Guide

Para a criação do style guide do site, trabalhamos com cores principais, auxiliares e neutras.

Cores do Style Guide — Figma

Apesar de serem cores principais, optamos por utilizá-las nos elementos, links e imagens, pra manter um equilíbrio, pois estamos utilizando como base o cinza escuro, assim, mantemos um ambiente clean.

Tipografia

Queríamos trabalhar com uma linguagem mais pessoal em determinados momentos, e mais incisiva em outros, então optamos por trabalhar com a fonte geométrica, em serifa e de fácil legibilidade como a Poppins, que também é elegante, forte e ao mesmo tempo divertida, além de possuir uma grande família tipográfica.

Tipografia de títulos e corpo de texto — Figma

Componentes e ícones

Os componentes seguem essa identidade na composição das cores e textos, e os elementos e os ícones seguem a linha mais simples.

Detalhamento dos ícones e componentes — Figma

Deliver: construindo a solução e validando (ou não) a ideia

Concretizando esse extenso processo de investigação, análise e ideação apresentamos a plataforma Modific.

Destaque da Página Inicial e da Loja — Figma
Destaque página de Marca e detalhes do produto — Figma
Destaque do Blog e do Mapa de Doações — Figma

Desenvolvida inicialmente para desktop, criamos um marketplace de moda sustentável, criando uma ponte entre pequenas e médias empresas de moda e o consumidor. Comprometida com a informação e transparência dos processos de produções de roupas e seus impactos, selecionamos as marcas através de um questionário sobre transparência e responsabilidade no processo de produção e ciclo das peças e, caso aprovadas, elas se tornam visíveis para os consumidores na nossa vitrine. Além disso, a plataforma conta com um blog, onde introduzimos a função de informar através de artigos, conceitos e dicas de comportamento e, por fim, o mapa de doações onde apresentamos iniciativas cadastradas na plataforma.

Confira nosso protótipo clicando no link :)

Teste de Usabilidade

Finalizando o processo, buscamos validar nossa proposta e as ferramentas através do teste de usabilidade. Por conta do cenário atual, realizamos duas entrevistas remotamente através do Meet. Seguimos um roteiro com 5 tarefas a serem executadas pelos usuários, além de uma escala de usabilidade.

Teste de usabilidade realizado no Meet.
  • Todas as tarefas conseguiram ser executadas com facilidade;
  • Página inicial não dava dicas do que se tratava a plataforma;
  • A ordem das seções da loja davam a ideia de que consumir era mais importante do que se informar;
  • A barra superior deixou a navegação fácil e intuitiva, assim como em outros sites;
  • A função de ser informativo se destacou com a descrição dos materiais e processo de produção;
  • A setorização da loja facilitou a procura de informações (queridinhos, em alta, materiais).

Considerações Finais

Entendendo a complexidade envolvida na criação de um produto, concluímos nosso projeto tendo em mente algumas funções a serem trabalhadas futuramente, tais como:

  • Responsividade para adequação em outros dispositivos, para que nossa solução tenha maior alcance;
  • Aprimoramento da dinâmica das moedas, ranking e cadastro das lojas visando ampliar estímulos para os clientes e lojas que desejam vender na plataforma;
  • Desenvolvimento do leitor de etiquetas acrescentando mais um analgésico para as dores encontradas durante a pesquisa de campo.
  • Criação de comunidade, no intuito de criar um vínculo para além da venda, possibilitando discussões e aprendizados coletivos.

Finalizamos agradecendo o suporte que tivemos durante todo o processo e ansiosas pelos próximos passos de muitos que esperamos trilhar como UX e UI designers. Que continuemos a buscar soluções para problemas complexos e repensar formas de consumir para que haja o suficiente para todos para sempre.

Esse artigo descreve o processo de desenvolvimento da plataforma Modific e foi escrito pela Jaci e pelas Samis A plataforma foi desenvolvida durante o curso de UX e UI da Cubos Academy pela equipe Xerê: Amanda Marques, Fernanda Nogueira, Jacilene Moraes, Samili Tupinambá e Samille Soares.

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Samille Soares

Oi, me chamo Samille e atualmente ajudo ONGs a solucionarem problemas no campo do design de experiência do usuário (UX) e interface do usuário (UI).